quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Mocinhos ou vilões: uma análise dos personagens de Chaves

Qualquer filme, novela ou obra em geral que se preze tem entre seus personagens os “mocinhos” e os “bandidos”, os “heróis” e os “vilões”. Essa condição não é tão marcante nos seriados humorísticos, quando os personagens são mais parecidos com pessoas comuns, que não podem ser tachadas como “totalmente malvadas” ou “completamente boas e honestas”. Essa é a condição passada no seriado Chaves. Não há mocinhos ou vilões, e sim atitudes boas e más de cada personagem, dependendo da situação.

Mesmo assim, decidi fazer uma análise da personalidade de cada um dos personagens fixos da série. Quero que eu mesmo e vocês leitores tirem suas próprias conclusões. Afinal de contas: há um ou mais vilões em Chaves?

CHAVES:
 O protagonista da série não pode ser considerado como um herói típico, e sim como um anti-herói. Suas ações às vezes não são bem adequadas para um “mocinho”, como sempre “devorar” bolos, frango e qualquer outro tipo de alimento que fique sob sua custódia ou até à vista (como em uma janela, esperando para ser pego), ou mesmo “conferir mais de perto” os produtos de uma lista de compras que lhe foi confiada. Mas tudo é perdoado pelo fato de a maioria de seus “crimes” serem cometidos devido à fome e a pobreza em que vive. O único porém é a desproporcionalidade de seus revides ao Quico. Uma vassourada ou um soco passam, mas uma tijolada pode até matar.




SEU MADRUGA: 
Seu Madruga nada mais é do que um homem comum, que passa por diversas situações que nós mesmos poderemos enfrentar em alguma época da vida. Seja uma dívida de aluguel, ou brigar com um vizinho, ou sofrer nas mãos das crianças, tudo isso é relativamente normal. Mas o pai da Chiquinha, a exemplo de outros personagens da série, também apresenta vários defeitos e falhas de caráter. O fato de viver sem trabalhar não é tão grave, já que milhões de pessoas enfrentam a mesma situação. O problema é a pouca vontade do personagem em mudar esse quadro. Seu Madruga não tem a mínima intenção de trabalhar, mesmo tendo uma filha para sustentar. E, quando surge a oportunidade, sempre aparece alguma desculpa, como os “calos frios” do episódio “Abre a torneira”. Esse fato de não trabalhar acarreta grande parte das “falcatruas” cometidas por ele, como pendurar as contas (e nunca pagar) na venda da esquina e em vários outros estabelecimentos. Às vezes nem só no nome dele, mas no nome de outras pessoas (como Dona Florinda e Dona Clotilde). E o pior é a dívida do aluguel, que já chegou à casa dos 14 meses e não tem jeito de ser quitada. Para fugir dela, Seu Madruga é capaz de tudo, até inventar discos voadores na vila. Para terminar, deve-se destacar a falta de tolerância dele para com as crianças. Tudo é motivo para bater no Chaves e no Quico. É claro, às vezes eles merecem, mas não fica bem um adulto ficar espancando crianças que não são seus filhos. Mas o fato de agüentar calado as injustas (algumas vezes) pancadas recebidas de Dona Florinda e de vez em quando se preocupar com o Chaves aliviam um pouco a barra dele.


CHIQUINHA:
 A filha do Seu Madruga também não se destaca muito pela ética. Está sempre aprontando as maiores travessuras a fim de se dar bem, ou de fazer os outros trabalharem por ela (o Chaves que o diga). Está sempre inventando mentiras a fim de encobrir algum ato falho seu, como não ter feito o dever de casa, ter faltado às aulas ou escapar de alguma tarefa dada pelo pai. Os xingamentos contra Dona Florinda (velha isso, velha aquilo) não ficam bem na boca de uma criança. Deve-se respeitar os mais velhos. Mas é preciso destacar como fatores positivos em seu caráter o enorme amor que sente pelo pai, a ponto de protegê-lo contra tudo e contra todos, e também a paixão pelo Chaves.


QUICO:
 Quem vê o bochechudo chorando copiosamente em "A venda da vila" por causa da doença do Senhor Barriga pode pensar que ele é um menino generoso que se preocupa com os outros. Mas na verdade não é nada disso. Quico é um menino mimado e egoísta, que só pensa nele. Não perde a oportunidade de se exibir para os seus amigos menos afortunados, mostrando brinquedos e lanches caros que eles não poderiam comprar. Além disso, o fato de chamar sempre a "mamãe" quando as coisas não estão de seu agrado, ser incapaz de defender Seu Madruga quando ele apanha injustamente e sempre debochar das pessoas (por algo que elas disseram ou mesmo por debochar de seus defeitos físicos) fazem de Quico um péssimo exemplo de caráter, atenuado às vezes quando ele convida Chaves para brincar. Claro, é uma criança, e como tal tem todas as chances de se regenerar e tornar-se um adulto mais humano.


DONA FLORINDA: 
Ao contrário das centenas de mocinhas da série Chapolin, em Chaves a atriz Florinda Meza interpreta uma personagem completamente diferente. Dona Florinda em quase nada lembra as mulheres doces, românticas e assustadas que viviam pedindo auxilio ao nosso atrapalhado super-herói na série que infelizmente está totalmente fora do ar na televisão brasileira. Eu digo quase nada porque as cenas com o Professor Girafales mostram um lado mais humano da personagem, uma mulher apaixonada e bem mais simpática aos olhos de todos. Mas esse é apenas um lado de Dona Florinda, que na maioria das vezes é uma mulher ranzinza, mal-humorada e encrenqueira, disposta a passar por cima de todos para defender seu “tesouro”. Quem mais sofre com isso é Seu Madruga, que na maioria das vezes apanha injustamente de sua vizinha por algo que supostamente ele possa ter feito a Quico. Seu grau de intolerância é inimaginável, e seu desprezo pela condição humilde de seus vizinhos chega a ser repugnante. Às vezes, faz por merecer os apelidos de “velha coroca”, “velha enjoada”, “velha carcomida”, “velha pestilenta”, etc. Mas, deve-se admitir que, na maioria dos casos, ela age impulsionada pelo grande amor que sente pelo seu filhinho querido e a necessidade de protegê-lo pela morte prematura do marido Frederico. Mas essa superproteção custou caro, como foi escrito no parágrafo acima.

PROFESSOR GIRAFALES:
 Outro personagem que não é “totalmente bonzinho”. Muito convencido, ele pensa que está sempre com a razão em tudo o que diz e se acha mais esperto do que os outros (embora seja mesmo, não deveria manifestar isso). È o homem mais inteligente do mundo (não, espere, tem o ...... não, esse não. Mas tem o ..... esse também não. Por outro lado tem...... Esse menos). Quando visita a vila, sempre fica ao lado da Dona Florinda em suas brigas muitas vezes injustas com Seu Madruga, muitas vezes chegando às vias de fato contra um homem muito mais fraco do que ele. Mas a relativa paciência com que tolera a bagunça das crianças durante as aulas aliviam um pouco a barra dele.

SENHOR BARRIGA:

 Se formos colocar todos os personagens do Chaves em uma balança, o Senhor Barriga iria se destacar por dois motivos. Primeiro, é claro, pelo seu peso. E segundo porque, de todos os personagens, este é o que me traz mais dificuldades para achar algum desvio de caráter. O gordinho dono da vila pode ser considerado como a melhor figura humana dentre todos. Tolera praticamente calado os calotes e armações do Seu Madruga, as mentiras da Chiquinha, os deboches do Quico e principalmente as pancadas dadas pelo Chaves. Qualquer um em seu lugar teria despejado um caloteiro como Seu Madruga (ele já tentou, mas nunca teve coragem para completar o serviço) ou revidado as pancadas dadas pelo Chaves. Mas o Senhor Barriga não. Pelo seu enorme coração (que desceu para a barriga), suporta tudo estoicamente.



DONA CLOTILDE:
 A “Bruxa do 71”, a exemplo do Senhor Barriga, também tem um bom coração. A paixão inocente que nutre por Seu Madruga é a maior prova disso. Está sempre disposta a ajudar os outros, em especial sua grande paixão (como na vez em que ele foi atropelado, quando ela lhe comprou mantimentos, ou quando comprou para ele um remédio para insônia). O fato de não se dar muito bem com as crianças é explicado pelo apelido que lhe puseram. Não é qualquer uma que agüenta tolerantemente ser chamada de bruxa a todo momento. Mesmo assim, se preocupa por exemplo com a condição humilde do Chaves. As rusgas com Dona Florinda também são normais, não só pelas constantes brigas dela com Seu Madruga como também pelo jeito esnobe de sua vizinha.

NHONHO: 

É uma versão mais light (embora seja muito mais gordo) do Quico, condição acentuada ainda mais quando o bochechudo foi morar com a madrinha rica e deixou a vila para sempre. Também é muito mimado. Está sempre chorando e pedindo socorro para o papai, e igualmente tem muito pouca boa vontade em emprestar seus brinquedos. Mas a amizade com o Chaves resiste a tudo isso, talvez pelo fato de Chaves sempre lembrar os defeitos físicos de Nhonho e empatar um pouco as coisas.


PÓPIS: 
Outra criança mimada. Em qualquer situação adversa (não só para ela como para qualquer outro), diz que vai contar tudo para a sua mãe, ou pede que os outros contem para a mãe deles. É incapaz de enfrentar de frente as “agruras” da vida. Mas, a exemplo da maioria dos personagens, também tem um bom coração, pois às vezes se preocupa com o Chaves.




GODINES:
 Eis o único personagem fixo cuja personalidade é difícil de ser descrita. A exemplo das outras crianças, não pára quieto durante as aulas. Mas afora isso e o fato de não saber nada do que lhe perguntam, não há mais grandes coisas a serem ditas.




DONA NEVES:
 A pior personagem de todos. Quando seu neto Madruga foi embora, caíram em seu colo duas responsabilidades: cuidar da neta Chiquinha e as dívidas que, diga-se de passagem, continuaram do jeito que estavam antes. Totalmente caduca, não entende praticamente nada do que lhe dizem. O fato de ainda se achar e agir como uma senhorita também é meio ridículo. Mas, a exemplo do Seu Madruga, também se preocupa com o Chaves.




JAIMINHO:
 O carteiro da vizinhança é um homem simpático e bonachão. Sempre faz menções à sua cidade natal, Tangamandápio, dizendo inclusive ser um povoado “maior do que Nova Iorque” ou “a terra natal do Papai Noel”. Seu principal defeito é a preguiça. Está sempre mandando os outros procurar as cartas dentro da bolsa e entrando de bicicleta dentro dos estabelecimentos (restaurante, casa do Sr. Barriga, etc), sempre buscando evitar a fadiga. Depois que Seu Madruga vai embora de vez e que Dona Neves vira uma personagem simbólica (existe, mas nunca aparece), torna-se um novo Madruga, herdando todas as qualidades e defeitos do pai da Chiquinha: caloteiro, intolerante, mas no fundo uma boa pessoa.

Após essa análise dos personagens, podemos chegar a conclusão que, apesar de não serem nenhum modelo de comportamento a serem seguidos, nenhum dos defeitos apresentados pelos personagens são tão críticos a ponto de podermos apontar alguém como vilão. Mas tampouco podemos dizer que há um mocinho, alguém totalmente bonzinho e inocente. Como já foi escrito no primeiro parágrafo, os personagens de Chaves são como todos nós: comuns, com suas qualidades e defeitos.

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