Desde sua estreia no Brasil, em 1984, Chaves e Chapolin já amealhavam muitos fãs por todo o país, bem como obtinham um desempenho satisfatório na audiência – tanto é que por um bom tempo, ocuparam o horário nobre do SBT, enfrentando o Jornal Nacional. Vários anos se passaram e os seriados permaneciam firmes na grade da emissora paulista, sendo sucesso de público, fato que logo culminou para o lançamento de produtos licenciados, como o videogame Chapolin x Drácula, os gibis Chaves e Chapolim, da Editora Globo ou o óculos do Chaves.
A mídia, entretanto, não enxergava as séries CH com bons olhos. Analisando algumas matérias publicadas em veículos de comunicação durante a década de 1990, é notável o tom muitas vezes depreciativo a Chaves e Chapolin. O jornalista Ingo Ostrovsky, em matéria publicada no Jornal do Brasil no ano de 1989, questionava os motivos que faziam CH ser um êxito entre as crianças:
Por que as crianças gostam tanto do Chaves e o do seu companheiro Chapolin? A série é mexicana, escrita, dirigida e estrelada por Chaves e outros membros da família, como revelou outro dia o Gugu Liberato. A dublagem é péssima, a tradução bastante ruim, os cenários são ridículos (...), parece um programa da década de 50, fica uma belezinha em preto e branco. E as crianças adoram.
Ostrovsky qualificou as séries como “a droga que faz a cabeça”. Quatro anos depois, Arthur Reis, também do JB, criticava o fato de que a primeira atração televisiva a ser vista em uma pequena cidade do Piauí tivesse sido justamente o Chaves. Disse: “Como exemplo de ingresso da pequena cidade na modernidade, não poderia ter sido mais patético [a exibição de Chaves]”.
Durante praticamente toda a década de 1990, o tom das matérias sobre Chaves e Chapolin sempre puxava para um lado depreciativo, procurando ressaltar a técnica modesta dos seriados. Apesar de ser um grande sucesso, acentuava-se a “surpresa” por uma produção tão simples permanecer por tanto tempo no ar. Enquanto isso, outras séries, desta vez americanas, não logravam tanto êxito nas telas, ao ponto de ganhar lugar cativo na programação dos canais onde eram exibidas. Chaves era visto ainda com incredulidade por boa parte da mídia. Contribuía para isso que os fãs praticamente não tinham voz alguma para se expressar quanto a seus seriados favoritos. Mas isso durou pouco tempo mais.
A partir do ano 2000, a internet ganhava cada vez mais os lares brasileiros. E dentro da rede, começaram a pipocar dezenas de sites e fóruns onde as pessoas compartilhavam seus gostos, debatiam os assuntos que lhes interessavam. E surgiu então o que chamamos hoje de “meio CH”, que compreende os sites e fóruns especializados nas obras de Roberto Gómez Bolaños. Nestes espaços, fãs de todo o país trocavam ideias, conheciam mais sobre os seriados, compartilhavam opiniões, debatiam sobre os episódios. Os próprios fãs descobriam que existiam muito mais chavesmaníacos do que podiam imaginar. E que juntos, seriam uma voz para ser ouvida pela mídia e, especialmente, pelo SBT.
Entre os anos de 2000 e 2003, a visão da mídia sobre as séries começou a mudar, vez que aos poucos descobriam que existiam muitos fãs de CH no Brasil. E estes fãs começavam a ser organizar em movimentos para protestar contra as saídas abruptas de Chaves e Chapolin da programação da emissora de Sílvio Santos, bem como exigir a volta de episódios que permaneciam sumidos há anos da telinha, os chamados “episódios perdidos”. Surgiram movimentos como o “Volta Chapolin”, que no ano de 2003, logrou muito êxito, lotando a caixa de e-mails do SBT, que acabou voltando com o Polegar à grade diária. Na mídia, as matérias positivas passaram a ter mais frequência. Ao invés de um seriado kitsch, Chaves virou cult, um objeto de admiração de milhões. Quem mais colaborou para a consolidação desses aspectos positivos foi a jornalista e apresentadora Sônia Abrão, então no SBT. Com seu Falando Francamente, Sônia explorou quase que à exaustão as séries, exibindo entrevistas, trechos de episódios perdidos e até inéditos, e chegou a trazer o ator Edgar Vivar (Seu Barriga) ao Brasil, para participar de seu programa.
Ao longo da década de 2000, as comunidades de fãs foram se consolidando, bem como o Fã-Clube Chespirito-Brasil (fundado em 2002), que realizou diversos eventos no Rio de Janeiro, levando os chavesmaníacos ao encontro dos dubladores das séries. No ano de 2005, ocorre o primeiro Festival da Boa Vizinhança, em São Paulo, que reuniu cinco mil fanáticos, atraídos pelo encontro com dubladores da série e o lançamento de uma série de boxes de DVDs de Chaves, Chapolin e Chespirito, com uma nova dublagem. Naquele mesmo ano, Chaves foi objeto de um verdadeiro leilão envolvendo a Televisa e as principais emissoras do país. O SBT não queria pagar mais do que pagava pelos direitos de exibição, o que atraiu o interesse das concorrentes. Até mesmo a Globo tentou comprar os direitos de Chaves e Chapolin, mas não levou. Com inúmeros movimentos de fãs, mais a pressão pelo risco de perder uma de suas joias, o SBT renovou com a Televisa e garantiu mais alguns anos de CH. E a mídia reconhecia a força quase inexplicável destes seriados.
Nos últimos anos, observou-se uma abordagem praticamente unanimemente respeitosa a Chaves e Chapolin. São raríssimos os exemplos de matérias que abordam as séries de forma depreciativa. Não só a mídia reconheceu, ainda que tardiamente, a importância de CH, mas também porque os fãs passaram a ter muito mais vez e voz, fato aprofundado pelo surgimento de redes sociais como Twitter e Facebook. Hoje, vivemos um novo “boom” de CH no Brasil.
Isto começou com o 2º Festival da Boa Vizinhança, em abril de 2010, quando o Fã-Clube trouxe Carlos Villagrán (Quico) e Edgar Vivar (Seu Barriga) a São Paulo, onde se apresentaram aos fãs de todas as partes do país. As séries passaram a ser exibidas também no Cartoon Network, voltaram ao ar os episódios perdidos, novos produtos foram lançados, diversas vezes Chaves foi assunto na mídia, Edgar Vivar esteve no Brasil com seu show, ocorreu o evento América Celebra a Chespirito. CH teve um espaço enorme nos meios de comunicação durante os últimos dois anos. Pelas redes, descobriu-se que os fãs são milhões espalhados por todo o Brasil. A mídia e a publicidade redescobriram as séries. E os fanáticos, através de seus canais representativos, passaram a também gerar os fatos, a invadir os meios com suas ações. Como o FBV2, realizado pelo Fã-Clube, ou então os desmentidos de algumas notícias, como as supostas mortes de Chespirito, um suposto AVC de Bolaños ou a aposentadoria de Maria Antonieta de las Nieves (Chiquinha), todos estes boatos esclarecidos antes pelos próprios chavesmaníacos do que pela mídia convencional.
Depois de quase 30 anos, hoje os fãs brasileiros de Chaves e Chapolin não dependem mais totalmente da mídia. Somos capazes de criar os fatos, de nos comunicarmos com os que compartilham de nossa paixão. E felizmente, temos muito mais acesso e respeito da mídia do que antes. CH, de um produto questionável, tornou-se uma total afirmação. Um reconhecimento, ainda que tardio, mas que felizmente chegou para ficar.
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