sábado, 16 de janeiro de 2016

A carrancuda e a meiga. Artificialidade ou versatilidade?

            Sentado na poltroninha favorita ou com o corpo jogado e esparramado no sofá, de maneira a bagunçar as almofadas, nos indignamos com a já de praxe injustiça cometida por Dona Florinda contra Seu Madruga. Com toda a fúria do mundo, a mãe do mimado Quico parte pra cima do pobre chimpanzé reumático e desfere um dolorido tabefe num rosto já tomado por alguns pés-de-galinha. Na ampla maioria das vezes, Seu Madruga está isento de qualquer tipo de culpa. Mas Dona Florinda, levando em consideração apenas seu equivocado ponto de vista, sequer dá chance para o pai da Chiquinha se defender ou se explicar. Pior é quando ela se dá conta de que ele é inocente: Dona Florinda disfarça e nem desculpas pede para Seu Madruga. Tal personalidade forte e dominada pela teimosia de que é a dona da razão não proporciona uma intensa raiva por parte de quem presencia tais cenas? No meu caso, sim! E provavelmente essa mesma raiva também desponta na mente de nove entre dez chavesmaniacos.

            A turrona Dona Florinda, que acha que o mundo é formado por apenas três indivíduos (ela mesma, Quico e Professor Girafales), realmente me deixa fulo da vida a cada vez em que maltrata e castiga Seu Madruga injustamente. Tal fúria que sinto pela personagem é mérito de Florinda Meza, uma atriz extraordinária e versátil. Sempre foi a minha atriz favorita dos seriados CH (também adoro María Antonieta de las Nieves e Angelines Fernandez).

            Quando descobri os sites e fóruns CH, deparei-me com uma opinião marcante declarada por alguns fãs: que Florinda Meza, como a mãe do Quico, forçava muito sua interpretação. Desde então, fiquei encafifado. Eu tinha em mente que Florinda, como atriz, era uma unanimidade, do mesmo quilate do imortal Ramón Valdez e de Carlos Villagrán. Incrivelmente, aquilo não era verdade. Estavam tachando a esplendorosa Florinda Meza de canastrona. Ao menos não utilizavam este adjetivo. Mas a idéia era essa, dada de forma indireta.

Canastrona, eu?

            Por conta desta revolucionária opinião de alguns chavesmaníacos, passei a estudar as atuações de Florinda Meza tanto no seriado Chaves como no Chapolin. Como Dona Florinda, observei que, na temporada de 1975, num período entre meses antes da volta da Chiquinha e um pouco depois de seu regresso, a atriz faz a personagem, ao se zangar, construir semblantes de maneira a fazer praticamente todos os músculos de seu rosto se contorcerem. Ela faz de Dona Florinda uma mulher mais gritona, com expressões de deixar qualquer um apavorado. Por qualquer coisa, a mãe do Quico range os dentes, vira o rosto de um lado para o outro, mexe os braços e soca a palma de sua outra mão com o intuito de se controlar. Nesses casos, Dona Florinda não está à beira de um ataque de nervos. Ela já está totalmente atacada. A atuação de Florinda Meza possui estas características em episódios como Tocando Violão, Nascas de Bacana, Os Toureadores (segunda versão), Epidêmia de Gripê (primeira versão) e Seu Madruga Pintor. Notem como a atriz faz a personagem superar todos os limites do estresse, de maneira a dar impressão de que sua pele e, sobretudo, seus nervos irão saltar fora.

            No entanto, nas temporadas posteriores (aquelas já tomadas por remakes), principalmente nos últimos episódios com as participações de Quico e Seu Madruga, notamos uma Dona Florinda muito, mas muito mais contida e controlada. Um exemplo bem claro ocorre no começo do episódio “De Gota em Gota, minha mãe fica louca”. Quando a mãe do Quico flagra Seu Madruga beliscando Quico (doeu, mas não foi tanto assim), uma surpreendente e calma Dona Florinda parte para cima do pai da Chiquinha. Com uma voz de tom baixíssimo e postura quase estática, ela até dá uns bofetões no seu algoz favorito. Mas se compararmos essa branda Dona Florinda com aquela outra explosiva de três temporadas atrás, percebemos o quanto que a atriz modificou a forma de interpretar a personagem. Talvez já antevendo a bondade que tomaria a mente da mãe de Quico, o que incentivaria a ex-valentona do 14, entre outras atitudes, a dar um salário para Chaves e o tratar como um filho após o estabelecimento definitivo do bochechudo na casa de suas tias ricas.

Da esquerda pra direita, as temporadas de 75 e de 79 (já sem Seu Madruga e Quico). Não foi apenas o avental que mudou. A explosiva Dona Florinda (com um sorriso de satisfação tomado pela maldade) deu lugar a uma Dona Florinda mais contida e paciente.

            Tudo bem! Observando a fase em que a atriz contorcia todos os músculos da face para extravasar a fúria de Dona Florinda, a opinião de muitos sobre a atuação de Florinda Meza ser forçada e artificial até pode proceder. Mas este estilo de atuação não fez nós cultivarmos uma antipatia maior pela personagem? Se a atriz forçava, era com a intenção do telespectador reprovar ainda mais suas atitudes. Isso é um prêmio para qualquer profissional da arte de representar. E depois, cada um tem um estilo próprio de se irritar, não é? E aquele era exatamente o estilo da atriz. Giovanna Antonelli, que interpretou a vilã Bárbara na novela “Da Cor do Pecado”, lamentou por ninguém na rua ter lhe agredido em função das maldades de sua personagem. Aí me desperta uma curiosidade: será que alguém no México, tomando as dores de Don Ramón, tentou dar uns tabefes em Florinda na vida real? Às vezes fico tão injuriado que me dá vontade de penetrar na telinha e enfiar aquela velha carcomida de cabeça pra baixo no barril do Chaves com bóbis, avental e tudo.

Que raiva me dá de Dona Florinda ao ver cenas como esta...

            A grande prova da versatilidade de Florinda Meza é na cena de uma das aberturas originais do seriado Chaves. Florinda, encarnando a mãe do Quico, está com aquela feição de romântica e apaixonada. Mas, de uma hora pra outra, ela fecha a cara, ficando emburrada e carrancuda. Em algumas ocasiões, no decorrer de uma história, Dona Florinda também dá uma de camaleoa facial conforme a ocasião. Um exemplo: no episódio “Crise de Lancherrose”, a dona da espelunca, virada para a mesa onde estão sentados Chaves e Chiquinha, esbraveja com os dois, exigindo que eles deixem o restaurante já que sabe que eles não têm dinheiro para pagar a conta. Professor Girafales, por trás dela, a cutuca e a senhora ranzinza e briguenta, num piscar de olhos, numa fração de segundo, muda a feição e faz aquela cara de boba apaixonada, com o sorriso nas orelhas e os dedos das mãos cruzados.

Quem disse que a velha carcomida não tem seu lado meigo?

            Opostas de Dona Florinda são as mocinhas meigas e inofensivas que a atriz interpreta no seriado Chapolin. Quem vê a delicadeza inserida por Florinda Meza a cada uma das mocinhas fica incrédulo só de lembrar da antipatia e da amargura características da personagem que representa no seriado Chaves. Quanta diferença... Apesar de que aqueles tipos que não fazem mal a um mosquito qualquer atriz do mais baixo escalão pode interpretar. Os críticos de Florinda podem se achar e se gabar agora? Negativo! Isso não passa de ponto morto! E Chimoltrúfia, a saudosa faxineirinha do seriado Chaveco do Clube do Chaves? Era disparada a personagem mais carismática e divertida da série e até hoje é lembrada pelos chavesmaníacos. A personagem cativou devido à magistral atuação de Florinda Meza. Inesquecível a interpretação dada por Florinda à personagem num monólogo no episódio que marcou a estréia do Chaveco no Clube (“O Passado te Condena”). Chimol contava que, quando criança, não ganhara nem um presente de Natal do Papai Noel mesmo após ter lhe enviado cartas e, por isso, escreveu outra pedindo pro Bom Velhinho pegar os presentes e engolir tudo. O monólogo passaria despercebido se não fosse a classe com a qual Florinda executou palavra por palavra do mesmo. E as suas cantorias desafinadas, então? Até hoje rolo de rir ao me lembrar delas. E já ia me esquecendo da Pópis. Florinda conseguia dar à prima de Quico de maneira formidável a característica de uma criança chata e mimada, superando as expectativas de Chespirito, o criador.

Como a hilariante Chimoltrúfia em mais uma de suas cantorias. Falem mal de Florinda Meza, agora...

            Por isso opino que quem acha Florinda Meza uma atriz limitada está ligeiramente equivocado. Ela chega a possuir semelhante nível de versatilidade de Maria Antonieta de las Nieves, a mesma que interpreta até meninos com maestria (diz-se “O Garoto que Mentia” e “Guilherme Tell”). Repito: Florinda até forçava a sua interpretação em alguns episódios de Chaves, mas o fato de deixar o telespectador enfurecido com sua personagem é a maior de todas as recompensas que um profissional das artes cênicas pode receber. Por isso que dez entre dez atores sonham em fazer vilões: para atingir o mesmo feito da extraordinária atriz Florinda Meza. 
fofalhas da gentoca:

É cada vez mais lamentável a briga que envolve os principais atores dos seriados.  Florinda Meza  esteve no programa dominical chileno “De Pé a Pá”. Fora a gratidão pelo país, já que a paixão dela por chespirito e vice-versa   despontou na primeira visita feita por eles ao Chile em 1977, a intérprete de  Dona Florinda denuncia uma certa rivalidade entre Carlos Villagrán e María Antonieta de las Nieves. É até evidente, pois a saída dela do seriado em 1973 fez o personagem Quico ter mais destaque. Com a volta de Nieves dois anos depois, os dois passaram a travar uma certa concorrência. Voltando ao ocorrido no programa chileno,  Florinda fez declarações fortes contra os intérpretes de Quico e Chiquinha.  alegou que Villagrán e Nieves possuíam um nível intelectual baixíssimo.  acusou o intérprete de Quico (e seu ex-namorado) de ser a única “maçã podre” do elenco. Essas declarações bombásticas evidenciam de vez um certo mal-estar que devia ocorrer durante as gravações dos seriados, pois dá a entender que ninguém suportava a convivência com Carlos Villagrán. Com o crescimento da popularidade do personagem, Villagrán exigia ganhar mais do que Nieves nem que fosse “um peso (moeda mexicana) mais”. Não existia harmonia nas gravações, como as magistrais atuações e o entrosamento entre os atores davam a entender. Eram todos (menos Ramón Valdez, que era solidário com todos) contra Carlos Villagrán, que deixou a inveja tomar conta de sua mente. Rubén Aguirre, o Professor Girafales, que apresentou Villagrán a Chespirito em 1971, declarou ter se arrependido. Realmente, essas tristes discórdias só acabam por fazer o chavesmaníaco se frustrar, já que, originalmente, seu pensamento era da existência um elenco onde a amizade e a alegria predominavam entre os atores na vida real. A família CH que imaginávamos estava restrita ao que estava escrito no script de Chespirito. 



Essa vem do SBT: em várias cenas, os personagens da novela “carrosel” assistem Chapolin e caem na gargalhada com cenas como chaves e chapolin juntos na vila. Qual é a do SBT? Tira os seriados do ar e ainda fica nos provocando? Me diz qual é a moral... 


O  chamagol  continuou até o fim da carreira a mostrar para o mundo sua tietagem pelos seriados de Chespirito. Depois de comemorar um de seus gols dando golpes nos colegas com a indefectível marreta biônica do Chapolin Colorado, o craque tirou  o boné do Chaves e o colocou. 

Chapolin continua sendo lembrado pelos mais poderosos veículos de comunicação do país, mesmo fora do ar. Na reportagem da Veja que falou sobre o Jornal Nacional, o seriado é citado pelo fato de sua forte concorrência (junto com a saudosa novela Carrossel) ter provocado mudanças no formato do mais tradicional telejornal do país, que vinha perdendo pontos para as atrações mexicanas no ano de 1991. Já na Contigo!, duas semanas depois da grande reportagem CH publicada, Chapolin aparece novamente numa matéria onde artistas brasileiros são comparados com os mexicanos. O herói mais amado do mundo foi comparado com Didi Mocó, o clássico personagem de Renato Aragão. Mesmo “de férias”, Chapolin continua podendo. 


O hotel Acapulco Continental, palco dos clássicos episódios de Acapulco do Chaves e do Chapolin, tem o seu próprio site. Você pode conferir como está o hotel hoje,  anos depois da ilustre passagem de Chespirito e sua turma por lá. 

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Parece que foi ontem: em 2003, os episódios perdidos de Chaves voltaram e Edgar Vivár visitou o Brasil. Foram quinze dias apoteóticos que vivemos. A primeira quinzena de setembro de 2003 merecia ser canonizada pelo papa. Uma pena que, como sempre, o SBT estragou tudo... 

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